A notícia de Alejandra chegou através de uma notícia da Folha, link postado pela amiga Daniela Pace. Serão lançados em abril dois livros desta poeta importantíssima da vizinha Argentina, da qual o Brasil até hoje pouco ou nada sabia.
Ela nasceu em uma família de judeus russos que emigrou para a Argentina pouco antes da Segunda Guerra. Cresceu sob a sombra do nazismo e das notícias de parentes desaparecidos em campos de concentração. Teve problemas na adolescência com acne, asma, com o forte sotaque e com a constante comparação com sua irmã que era o modelo das aspirações de sua mãe para as filhas.
Ainda na adolescência, abandonou o nome Flora que recebera dos pais e criou Alejandra, assumindo a paixão pela literatura. Estudou Filosofia, jornalismo, letras e pintura até decidir abandonar o estudo formal e dedicar-se totalmente à escrita. Tornou-se amiga dos mais importantes literatos de seu tempo, não somente na Argentina, mas também em Paris, onde morou por um tempo; entretanto ao mesmo tempo em que sua poesia se desenvolvia, aumentavam também seus problemas psicológicos. Expressa diversas vezes o desejo de viver dentro de seus escritos, de tornar-se aquilo que escrevia, ao mesmo tempo vicia-se cada vez mais em barbitúricos e antidepressivos. Sobrevive a duas tentativas de suicídio até que, em 25 de setembro de 1972 ingere 50 pastilhas de Seconal. Havia estudado nas semanas anteriores sobre as doses letais desse barbitúrico e sabia que seria fatal. Deixou em uma lousa seu último poema:
"no quiero ir
nada más
que hasta el fondo"
"não quero ir
nada mais
que até o fundo"
nada mais
que até o fundo"
Procurei na internet os poemas de Alejandra e traduzi alguns. Apresento a seguir primeiro o poema original em Espanhol, seguido da tradução que fiz:
Poemas
de Alejandra Pizarnik
El miedo
En el eco de mis
muertes
aún hay miedo.
¿Sabes tu del
miedo?
Sé del miedo
cuando digo mi nombre.
Es el miedo,
el miedo con sombrero
negro
escondiendo ratas en mi
sangre,
o el miedo con labios
muertos
bebiendo mis deseos.
Sí. En el eco de
mis muertes
aún hay miedo.
O medo
No eco de minhas mortes
ainda há medo.
Sabes do medo?
Sei do medo quando digo
meu nome.
É o medo,
o medo com chapéu
negro
escondendo ratos em meu
sangue,
ou o medo com lábios
mortos
bebendo meus desejos.
Sim, No eco de minhas
mortes
ainda há medo.
Fiesta en el vacío
Como
el viento sin alas encerrado en mis ojos
es
la llamada de la muerte.
Sólo
un ángel me enlazará al sol.
Dónde
el ángel,
dónde
su palabra.
Oh
perforar con vino la suave necesidad de ser.
Festa no vazio
Como
o vento sem asas encerrado em meus olhos
é
a chamada da morte.
Só
um anjo me atará ao sol.
Cadê
o anjo
cadê
sua palavra.
Oh
perfurar com vinho a suave necessidade de ser.
La carencia
Yo
no sé de pájaros,
no
conozco la historia del fuego.
Pero
creo que mi soledad debería tener alas
A carência
Eu
não sei de pássaros,
não
conheço a história do fogo.
Mas
creio que minha solidão deveria ter asas.
Hijas del viento
Han
venido.
Invaden
la sangre.
Huelen
a plumas,
a
carencia,
a
llanto.
Pero
tú alimentas al miedo
y
a la soledad
como
a dos animales pequeños
perdidos
en el desierto.
Han
venido
a
incendiar la edad del sueño.
Un
adiós es tu vida.
Pero
tú te abrazas
como
la serpiente loca de movimiento
que
sólo se halla a sí misma
porque
no hay nadie.
Tú
lloras debajo de tu llanto,
tú
abres el cofre de tus deseos
y
eres más rica que la noche.
Pero
hace tanta soledad
que
las palabras se suicidan.
Filhas do Vento
Vieram
Invadem
o sangue.
Cheiram
a plumas,
a
carência,
a
pranto.
Mas
tu alimentas o medo
e
a solidão
como
a dois animais pequenos
perdidos
no deserto.
Vieram
a
incendiar a idade do sonho.
Um
adeus é tua vida.
Mas
tu te abraças
como
a serpente louca de movimento
que
só acha a si mesma
porque
não há ninguém
Tu
choras sob teu choro,
tu
abres o cofre de teus desejos
e
és mais rica que a noite.
Mas
faz tanta solidão
que
as palavras se suicidam.
La danza inmóvil
Mensajeros
en la noche anunciaron lo que no oímos.
Se
buscó debajo del aullido de la luz.
Se
quiso detener el avance de las manos enguantadas
que
estrangulaban a la inocencia.
Y
si se escondieron en la casa de mi sangre,
¿cómo
no me arrastro hasta el amado
que
muere detrás de mi ternura?
¿Por
qué no huyo
y
me persigo con cuchillos
y
me deliro?
De
muerte se ha tejido cada instante.
Yo
devoro la furia como un ángel idiota
invadido
de malezas
que
le impiden recordar el color del cielo.
Pero
ellos y yo sabemos
que
el cielo tiene el color de la infancia muerta.
A dança
imóvel
Mensageiros
na noite anunciaram o que não ouvimos.
Se
buscou sob o uivar da luz.
Se
quis deter o avanço das mãos enluvadas
que
estrangulavam a inocência.
E
se se esconderam na casa do meu sangue,
como
não me arrasto até o amado
que
morre atrás de minha ternura?
Por
que não fujo
e
me persigo com facas
e
me deliro?
De
morte se teceu cada instante.
Eu
devoro a fúria como um anjo idiota
invadido
de mazelas
que
lhe impedem de recordar a cor do céu.
Mas
eles e eu sabemos
que
o céu tem a cor da infância morta.
La jaula
Afuera
hay sol.
No
es más que un sol
pero
los hombres lo miran
y
después cantan.
Yo
no sé del sol.
Yo
sé la melodía del ángel
y
el sermón caliente
del
último viento.
Sé
gritar hasta el alba
cuando
la muerte se posa desnuda
en
mi sombra.
Yo
lloro debajo de mi nombre.
Yo
agito pañuelos en la noche
y
barcos sedientos de realidad
bailan
conmigo.
Yo
oculto clavos
para
escarnecer a mis sueños enfermos.
Afuera
hay sol.
Yo
me visto de cenizas.
A cela
Lá
fora há sol.
Não
é mais que um sol
mas
os homens o olham
e
depois cantam.
Eu
não sei do sol.
Eu
sei a melodia do anjo
e
o sermão quente
do
último vento.
Sei
gritar até a aurora
quando
a morte pousa desnuda
em
minha sombra.
Eu
choro de baixo de meu nome.
Eu
agito lenços na noite
e
barcos sedentos de realidade
bailam
comigo.
Eu
oculto cravos
para
escarnecer de meus sonhos enfermos.
Lá
fora há sol.
Eu
me visto de cinzas.
Poema para el padre
Y
fue entonces
que
con la lengua muerta y fría en la boca
cantó
la canción que le dejaron cantar
en
este mundo de jardines obscenos y de sombras
que
venían a deshora a recordarle
cantos
de su tiempo de muchacho
en
el que no podía cantar la canción que quería
cantar
la
canción que le dejaron cantar
sino
a través de sus ojos azules ausentes
de
su boca ausente
de
su voz ausente.
Entonces,
desde la torre más alta de la ausencia
su
canto resonó en la opacidad de lo ocultado
en
la extensión silenciosa
llena
de oquedades movedizas como las palabras que escribo.
Poema para o pai
E
foi então
que
com a língua morta e fria na boca
cantou
a canção que lhe deixaram cantar
neste
mundo de jardins obscenos e de sombras
que
vinham inoportunos recordar-lhe
cantos
de seu tempo de menino
em
que não podia cantar a canção que queria cantar
a
canção que lhe deixaram cantar
senão
através de seus olhos azuis ausentes
de
sua boca ausente
de
sua voz ausente.
Então,
da torre mais alta da ausência
seu
canto ressoou na opacidade do oculto
na
extensão silenciosa
cheia
de cavidades movediças como as palavras que escrevo.
A la espera de la oscuridad
Ese
instante que no se olvida
Tan
vacío devuelto por las sombras
Tan
vacío rechazado por los relojes
Ese
pobre instante adoptado por mi ternura
Desnudo
desnudo de sangre de alas
Sin
ojos para recordar angustias de antaño
Sin
labios para recoger el zumo de las
violencias
perdidas
en el canto de los helados
campanarios.
Ampáralo
niña ciega de alma
Ponle
tus cabellos escarchados por el fuego
Abrázalo
pequeña estatua de terror.
Señálale
el mundo convulsionado a tus pies
A
tus pies donde mueren las golondrinas
Tiritantes
de pavor frente al futuro
Dile
que los suspiros del mar
Humedecen
las únicas palabras
Por
las que vale vivir.
Pero
ese instante sudoroso de nada
Acurrucado
en la cueva del destino
Sin
manos para decir nunca
Sin
manos para regalar mariposas
A
los niños muertos
À espera da
escuridão
Este
instante que não se esquece
tão
vazio devolvido pelas sombras
Tão vazio rechaçado pelos relógios
Este
pobre instante adotado por minha ternura
Desnudo
desnudo de sangue de asas
Sem
olhos para recordar angústias de ontem
Sem
lábios para recolher o sumo das
violências
perdidas
no canto dos gelados
campanários.
Ampara-o
menina cega de alma
Põe-lhe
teus cabelos congelados pelo fogo
Abraça-o
pequena estátua de terror.
Aponta-lhe
o mundo convulsionado a teus pés
A
teus pés onde morrem as andorinhas
Tiritantes
de pavor ante ao futuro
Diz
que os suspiros do mar
Umedecem
as únicas palavras
Por
que vale viver.
Mas
esse instante sudoroso de nada
Aconchegado
na cova do destino
Sem
mãos para dizer nunca
Sem
mãos para presentear borboletas
às
crianças mortas