terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Uma convidada ilustre: Alejandra Pizarnick

A notícia de Alejandra chegou através de uma notícia da Folha, link postado pela amiga Daniela Pace. Serão lançados em abril dois livros desta poeta importantíssima da vizinha Argentina, da qual o Brasil até hoje pouco ou nada sabia.
Ela nasceu em uma família de judeus russos que emigrou para a Argentina  pouco antes da Segunda Guerra. Cresceu sob a sombra do nazismo e das notícias de parentes desaparecidos em campos de concentração. Teve problemas na adolescência com acne, asma, com o forte sotaque e com a constante comparação  com sua irmã que era o modelo das aspirações de sua mãe para as filhas.
Ainda na adolescência, abandonou o nome Flora que recebera dos pais e criou Alejandra, assumindo a paixão pela literatura. Estudou Filosofia, jornalismo, letras e pintura até decidir abandonar o estudo formal e dedicar-se totalmente à escrita. Tornou-se amiga dos mais importantes literatos de seu tempo, não somente na Argentina, mas também em Paris, onde morou por um tempo; entretanto ao mesmo tempo em que sua poesia se desenvolvia, aumentavam também seus problemas psicológicos.  Expressa diversas vezes o desejo de viver dentro de seus escritos, de tornar-se aquilo que escrevia, ao mesmo tempo vicia-se cada vez mais em barbitúricos e antidepressivos. Sobrevive a duas tentativas de suicídio até que, em 25 de setembro de 1972 ingere 50 pastilhas de Seconal. Havia estudado nas semanas anteriores sobre as doses letais desse barbitúrico e sabia que seria fatal. Deixou em uma lousa seu último poema:

"no quiero ir
nada más
que hasta el fondo"

"não quero ir
nada mais
que até o fundo"


Procurei na internet os poemas de Alejandra e traduzi alguns. Apresento a seguir primeiro o poema original em Espanhol, seguido da tradução que fiz:

Poemas de Alejandra Pizarnik

El miedo

En el eco de mis muertes
aún hay miedo.
¿Sabes tu del miedo?
Sé del miedo cuando digo mi nombre.
Es el miedo,
el miedo con sombrero negro
escondiendo ratas en mi sangre,
o el miedo con labios muertos
bebiendo mis deseos.
Sí. En el eco de mis muertes
aún hay miedo.

O medo

No eco de minhas mortes
ainda há medo.
Sabes do medo?
Sei do medo quando digo meu nome.
É o medo,
o medo com chapéu negro
escondendo ratos em meu sangue,
ou o medo com lábios mortos
bebendo meus desejos.
Sim, No eco de minhas mortes
ainda há medo.



Fiesta en el vacío

Como el viento sin alas encerrado en mis ojos
es la llamada de la muerte.
Sólo un ángel me enlazará al sol.
Dónde el ángel,
dónde su palabra.

Oh perforar con vino la suave necesidad de ser.

Festa no vazio

Como o vento sem asas encerrado em meus olhos
é a chamada da morte.
Só um anjo me atará ao sol.
Cadê o anjo
cadê sua palavra.

Oh perfurar com vinho a suave necessidade de ser.



La carencia

Yo no sé de pájaros,
no conozco la historia del fuego.
Pero creo que mi soledad debería tener alas

A carência

Eu não sei de pássaros,
não conheço a história do fogo.
Mas creio que minha solidão deveria ter asas.



Hijas del viento

Han venido.
Invaden la sangre.
Huelen a plumas,
a carencia,
a llanto.
Pero tú alimentas al miedo
y a la soledad
como a dos animales pequeños
perdidos en el desierto.

Han venido
a incendiar la edad del sueño.
Un adiós es tu vida.
Pero tú te abrazas
como la serpiente loca de movimiento
que sólo se halla a sí misma
porque no hay nadie.

Tú lloras debajo de tu llanto,
tú abres el cofre de tus deseos
y eres más rica que la noche.

Pero hace tanta soledad
que las palabras se suicidan.

Filhas do Vento

Vieram
Invadem o sangue.
Cheiram a plumas,
a carência,
a pranto.
Mas tu alimentas o medo
e a solidão
como a dois animais pequenos
perdidos no deserto.

Vieram
a incendiar a idade do sonho.
Um adeus é tua vida.
Mas tu te abraças
como a serpente louca de movimento
que só acha a si mesma
porque não há ninguém

Tu choras sob teu choro,
tu abres o cofre de teus desejos
e és mais rica que a noite.

Mas faz tanta solidão
que as palavras se suicidam.



La danza inmóvil

Mensajeros en la noche anunciaron lo que no oímos.
Se buscó debajo del aullido de la luz.
Se quiso detener el avance de las manos enguantadas
que estrangulaban a la inocencia.

Y si se escondieron en la casa de mi sangre,
¿cómo no me arrastro hasta el amado
que muere detrás de mi ternura?
¿Por qué no huyo
y me persigo con cuchillos
y me deliro?

De muerte se ha tejido cada instante.
Yo devoro la furia como un ángel idiota
invadido de malezas
que le impiden recordar el color del cielo.

Pero ellos y yo sabemos
que el cielo tiene el color de la infancia muerta.

A dança imóvel

Mensageiros na noite anunciaram o que não ouvimos.
Se buscou sob o uivar da luz.
Se quis deter o avanço das mãos enluvadas
que estrangulavam a inocência.

E se se esconderam na casa do meu sangue,
como não me arrasto até o amado
que morre atrás de minha ternura?
Por que não fujo
e me persigo com facas
e me deliro?

De morte se teceu cada instante.
Eu devoro a fúria como um anjo idiota
invadido de mazelas
que lhe impedem de recordar a cor do céu.

Mas eles e eu sabemos
que o céu tem a cor da infância morta.



La jaula

Afuera hay sol.
No es más que un sol
pero los hombres lo miran
y después cantan.

Yo no sé del sol.
Yo sé la melodía del ángel
y el sermón caliente
del último viento.
Sé gritar hasta el alba
cuando la muerte se posa desnuda
en mi sombra.

Yo lloro debajo de mi nombre.
Yo agito pañuelos en la noche
y barcos sedientos de realidad
bailan conmigo.
Yo oculto clavos
para escarnecer a mis sueños enfermos.

Afuera hay sol.
Yo me visto de cenizas.

A cela

Lá fora há sol.
Não é mais que um sol
mas os homens o olham
e depois cantam.

Eu não sei do sol.
Eu sei a melodia do anjo
e o sermão quente
do último vento.
Sei gritar até a aurora
quando a morte pousa desnuda
em minha sombra.

Eu choro de baixo de meu nome.
Eu agito lenços na noite
e barcos sedentos de realidade
bailam comigo.
Eu oculto cravos
para escarnecer de meus sonhos enfermos.

Lá fora há sol.
Eu me visto de cinzas.



Poema para el padre

Y fue entonces
que con la lengua muerta y fría en la boca
cantó la canción que le dejaron cantar
en este mundo de jardines obscenos y de sombras
que venían a deshora a recordarle
cantos de su tiempo de muchacho
en el que no podía cantar la canción que quería cantar
la canción que le dejaron cantar
sino a través de sus ojos azules ausentes
de su boca ausente
de su voz ausente.
Entonces, desde la torre más alta de la ausencia
su canto resonó en la opacidad de lo ocultado
en la extensión silenciosa
llena de oquedades movedizas como las palabras que escribo.

Poema para o pai

E foi então
que com a língua morta e fria na boca
cantou a canção que lhe deixaram cantar
neste mundo de jardins obscenos e de sombras
que vinham inoportunos recordar-lhe
cantos de seu tempo de menino
em que não podia cantar a canção que queria cantar
a canção que lhe deixaram cantar
senão através de seus olhos azuis ausentes
de sua boca ausente
de sua voz ausente.
Então, da torre mais alta da ausência
seu canto ressoou na opacidade do oculto
na extensão silenciosa
cheia de cavidades movediças como as palavras que escrevo.



A la espera de la oscuridad

Ese instante que no se olvida
Tan vacío devuelto por las sombras
Tan vacío rechazado por los relojes
Ese pobre instante adoptado por mi ternura
Desnudo desnudo de sangre de alas
Sin ojos para recordar angustias de antaño
Sin labios para recoger el zumo de las
violencias
perdidas en el canto de los helados
campanarios.
Ampáralo niña ciega de alma
Ponle tus cabellos escarchados por el fuego
Abrázalo pequeña estatua de terror.
Señálale el mundo convulsionado a tus pies
A tus pies donde mueren las golondrinas
Tiritantes de pavor frente al futuro
Dile que los suspiros del mar
Humedecen las únicas palabras
Por las que vale vivir.
Pero ese instante sudoroso de nada
Acurrucado en la cueva del destino
Sin manos para decir nunca
Sin manos para regalar mariposas
A los niños muertos

À espera da escuridão

Este instante que não se esquece
tão vazio devolvido pelas sombras
Tão vazio rechaçado pelos relógios
Este pobre instante adotado por minha ternura
Desnudo desnudo de sangue de asas
Sem olhos para recordar angústias de ontem
Sem lábios para recolher o sumo das
violências
perdidas no canto dos gelados
campanários.
Ampara-o menina cega de alma
Põe-lhe teus cabelos congelados pelo fogo
Abraça-o pequena estátua de terror.
Aponta-lhe o mundo convulsionado a teus pés
A teus pés onde morrem as andorinhas
Tiritantes de pavor ante ao futuro
Diz que os suspiros do mar
Umedecem as únicas palavras
Por que vale viver.
Mas esse instante sudoroso de nada
Aconchegado na cova do destino
Sem mãos para dizer nunca
Sem mãos para presentear borboletas
às crianças mortas

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

DOIS POEMAS SOBRE A ATUALIDADE




sobre culpa e inocência

a culpa do inocente
foi mostrar
a riqueza do pobre
a alegria dos tristes

a culpa do inocente
foi acabar com a
abundância de escassez
fartar os famintos

a culpa do inocente
foi tentar
a paz com os donos da guerra
a igualdade com os desiguais

a culpa do inocente
foi revelar
a pobreza dos ricos
a tristeza dos felizes

a culpa do inocente
foi mostrar
a inteligência dos ignorantes
e a ignorância dos eruditos

a culpa do inocente
foi acreditar
que os donos da pátria da injustiça
poderiam permitir justiça.

Porto Alegre, 26/1/18


Renato de Mattos Motta

O poema que se segue nasceu como um comentário no blog "A voz pública da poesia" (do poeta e crítico Ronald Augusto)  https://avozpublicadapoesia.blogspot.com.br/  e acabou merecendo um post do Ronald.


Lula à La Fontaine

absurdo conclave de surdos
juízes injustificavelmente
injustos julgando como lobos
culpado cordeiro
por sua fome de carniceiro

Renato de Mattos Motta

Porto Alegre, 28 de janeiro de 2018