Uma exposição virtual com meu trabalho em xilogravura no Atelier Livre da Prefeitura Xico Stockinger — Porto Alergre
terça-feira, 9 de fevereiro de 2021
sábado, 16 de fevereiro de 2019
Uma Elegia Tardia
Ave poeta!
(para Ana C *02/06/1952 – +
29/10/1983)
a poeta pulou
procurando o voo
leve lírica
levada pela brisa
leve nuvem descalça
a poeta voou
leve e breve
acelerada
por segundos
na segunda potência
a poeta voou
acelerada
a nove vírgula
oito
metros por segundo ao
quadrado
a poeta voou
leve e veloz
como um sonho
um sonho de sete
andares
um sonho de voo
um sonho de eternos
trinta e um anos
a poeta voou
um sonho
de vinte e um metros
a poeta voou
um sonho
de trinta e um anos
para sempre breve
leve levada pela brisa
no chão
a realidade
retrata a poeta
a setenta e dois
quilômetros por hora
descendo para cima
ana c
é céu
levado pela brisa
sonho de voo veloz
(sonho de dois
eternos segundos)
Porto Alegre, 22/01/19
terça-feira, 20 de fevereiro de 2018
Uma convidada ilustre: Alejandra Pizarnick
A notícia de Alejandra chegou através de uma notícia da Folha, link postado pela amiga Daniela Pace. Serão lançados em abril dois livros desta poeta importantíssima da vizinha Argentina, da qual o Brasil até hoje pouco ou nada sabia.
Ela nasceu em uma família de judeus russos que emigrou para a Argentina pouco antes da Segunda Guerra. Cresceu sob a sombra do nazismo e das notícias de parentes desaparecidos em campos de concentração. Teve problemas na adolescência com acne, asma, com o forte sotaque e com a constante comparação com sua irmã que era o modelo das aspirações de sua mãe para as filhas.
Ainda na adolescência, abandonou o nome Flora que recebera dos pais e criou Alejandra, assumindo a paixão pela literatura. Estudou Filosofia, jornalismo, letras e pintura até decidir abandonar o estudo formal e dedicar-se totalmente à escrita. Tornou-se amiga dos mais importantes literatos de seu tempo, não somente na Argentina, mas também em Paris, onde morou por um tempo; entretanto ao mesmo tempo em que sua poesia se desenvolvia, aumentavam também seus problemas psicológicos. Expressa diversas vezes o desejo de viver dentro de seus escritos, de tornar-se aquilo que escrevia, ao mesmo tempo vicia-se cada vez mais em barbitúricos e antidepressivos. Sobrevive a duas tentativas de suicídio até que, em 25 de setembro de 1972 ingere 50 pastilhas de Seconal. Havia estudado nas semanas anteriores sobre as doses letais desse barbitúrico e sabia que seria fatal. Deixou em uma lousa seu último poema:
"no quiero ir
A notícia de Alejandra chegou através de uma notícia da Folha, link postado pela amiga Daniela Pace. Serão lançados em abril dois livros desta poeta importantíssima da vizinha Argentina, da qual o Brasil até hoje pouco ou nada sabia.
Ela nasceu em uma família de judeus russos que emigrou para a Argentina pouco antes da Segunda Guerra. Cresceu sob a sombra do nazismo e das notícias de parentes desaparecidos em campos de concentração. Teve problemas na adolescência com acne, asma, com o forte sotaque e com a constante comparação com sua irmã que era o modelo das aspirações de sua mãe para as filhas.
Ainda na adolescência, abandonou o nome Flora que recebera dos pais e criou Alejandra, assumindo a paixão pela literatura. Estudou Filosofia, jornalismo, letras e pintura até decidir abandonar o estudo formal e dedicar-se totalmente à escrita. Tornou-se amiga dos mais importantes literatos de seu tempo, não somente na Argentina, mas também em Paris, onde morou por um tempo; entretanto ao mesmo tempo em que sua poesia se desenvolvia, aumentavam também seus problemas psicológicos. Expressa diversas vezes o desejo de viver dentro de seus escritos, de tornar-se aquilo que escrevia, ao mesmo tempo vicia-se cada vez mais em barbitúricos e antidepressivos. Sobrevive a duas tentativas de suicídio até que, em 25 de setembro de 1972 ingere 50 pastilhas de Seconal. Havia estudado nas semanas anteriores sobre as doses letais desse barbitúrico e sabia que seria fatal. Deixou em uma lousa seu último poema:
"no quiero ir
nada más
que hasta el fondo"
"não quero ir
nada mais
que até o fundo"
nada mais
que até o fundo"
Procurei na internet os poemas de Alejandra e traduzi alguns. Apresento a seguir primeiro o poema original em Espanhol, seguido da tradução que fiz:
Poemas
de Alejandra Pizarnik
El miedo
En el eco de mis
muertes
aún hay miedo.
¿Sabes tu del
miedo?
Sé del miedo
cuando digo mi nombre.
Es el miedo,
el miedo con sombrero
negro
escondiendo ratas en mi
sangre,
o el miedo con labios
muertos
bebiendo mis deseos.
Sí. En el eco de
mis muertes
aún hay miedo.
O medo
No eco de minhas mortes
ainda há medo.
Sabes do medo?
Sei do medo quando digo
meu nome.
É o medo,
o medo com chapéu
negro
escondendo ratos em meu
sangue,
ou o medo com lábios
mortos
bebendo meus desejos.
Sim, No eco de minhas
mortes
ainda há medo.
Fiesta en el vacío
Como
el viento sin alas encerrado en mis ojos
es
la llamada de la muerte.
Sólo
un ángel me enlazará al sol.
Dónde
el ángel,
dónde
su palabra.
Oh
perforar con vino la suave necesidad de ser.
Festa no vazio
Como
o vento sem asas encerrado em meus olhos
é
a chamada da morte.
Só
um anjo me atará ao sol.
Cadê
o anjo
cadê
sua palavra.
Oh
perfurar com vinho a suave necessidade de ser.
La carencia
Yo
no sé de pájaros,
no
conozco la historia del fuego.
Pero
creo que mi soledad debería tener alas
A carência
Eu
não sei de pássaros,
não
conheço a história do fogo.
Mas
creio que minha solidão deveria ter asas.
Hijas del viento
Han
venido.
Invaden
la sangre.
Huelen
a plumas,
a
carencia,
a
llanto.
Pero
tú alimentas al miedo
y
a la soledad
como
a dos animales pequeños
perdidos
en el desierto.
Han
venido
a
incendiar la edad del sueño.
Un
adiós es tu vida.
Pero
tú te abrazas
como
la serpiente loca de movimiento
que
sólo se halla a sí misma
porque
no hay nadie.
Tú
lloras debajo de tu llanto,
tú
abres el cofre de tus deseos
y
eres más rica que la noche.
Pero
hace tanta soledad
que
las palabras se suicidan.
Filhas do Vento
Vieram
Invadem
o sangue.
Cheiram
a plumas,
a
carência,
a
pranto.
Mas
tu alimentas o medo
e
a solidão
como
a dois animais pequenos
perdidos
no deserto.
Vieram
a
incendiar a idade do sonho.
Um
adeus é tua vida.
Mas
tu te abraças
como
a serpente louca de movimento
que
só acha a si mesma
porque
não há ninguém
Tu
choras sob teu choro,
tu
abres o cofre de teus desejos
e
és mais rica que a noite.
Mas
faz tanta solidão
que
as palavras se suicidam.
La danza inmóvil
Mensajeros
en la noche anunciaron lo que no oímos.
Se
buscó debajo del aullido de la luz.
Se
quiso detener el avance de las manos enguantadas
que
estrangulaban a la inocencia.
Y
si se escondieron en la casa de mi sangre,
¿cómo
no me arrastro hasta el amado
que
muere detrás de mi ternura?
¿Por
qué no huyo
y
me persigo con cuchillos
y
me deliro?
De
muerte se ha tejido cada instante.
Yo
devoro la furia como un ángel idiota
invadido
de malezas
que
le impiden recordar el color del cielo.
Pero
ellos y yo sabemos
que
el cielo tiene el color de la infancia muerta.
A dança
imóvel
Mensageiros
na noite anunciaram o que não ouvimos.
Se
buscou sob o uivar da luz.
Se
quis deter o avanço das mãos enluvadas
que
estrangulavam a inocência.
E
se se esconderam na casa do meu sangue,
como
não me arrasto até o amado
que
morre atrás de minha ternura?
Por
que não fujo
e
me persigo com facas
e
me deliro?
De
morte se teceu cada instante.
Eu
devoro a fúria como um anjo idiota
invadido
de mazelas
que
lhe impedem de recordar a cor do céu.
Mas
eles e eu sabemos
que
o céu tem a cor da infância morta.
La jaula
Afuera
hay sol.
No
es más que un sol
pero
los hombres lo miran
y
después cantan.
Yo
no sé del sol.
Yo
sé la melodía del ángel
y
el sermón caliente
del
último viento.
Sé
gritar hasta el alba
cuando
la muerte se posa desnuda
en
mi sombra.
Yo
lloro debajo de mi nombre.
Yo
agito pañuelos en la noche
y
barcos sedientos de realidad
bailan
conmigo.
Yo
oculto clavos
para
escarnecer a mis sueños enfermos.
Afuera
hay sol.
Yo
me visto de cenizas.
A cela
Lá
fora há sol.
Não
é mais que um sol
mas
os homens o olham
e
depois cantam.
Eu
não sei do sol.
Eu
sei a melodia do anjo
e
o sermão quente
do
último vento.
Sei
gritar até a aurora
quando
a morte pousa desnuda
em
minha sombra.
Eu
choro de baixo de meu nome.
Eu
agito lenços na noite
e
barcos sedentos de realidade
bailam
comigo.
Eu
oculto cravos
para
escarnecer de meus sonhos enfermos.
Lá
fora há sol.
Eu
me visto de cinzas.
Poema para el padre
Y
fue entonces
que
con la lengua muerta y fría en la boca
cantó
la canción que le dejaron cantar
en
este mundo de jardines obscenos y de sombras
que
venían a deshora a recordarle
cantos
de su tiempo de muchacho
en
el que no podía cantar la canción que quería
cantar
la
canción que le dejaron cantar
sino
a través de sus ojos azules ausentes
de
su boca ausente
de
su voz ausente.
Entonces,
desde la torre más alta de la ausencia
su
canto resonó en la opacidad de lo ocultado
en
la extensión silenciosa
llena
de oquedades movedizas como las palabras que escribo.
Poema para o pai
E
foi então
que
com a língua morta e fria na boca
cantou
a canção que lhe deixaram cantar
neste
mundo de jardins obscenos e de sombras
que
vinham inoportunos recordar-lhe
cantos
de seu tempo de menino
em
que não podia cantar a canção que queria cantar
a
canção que lhe deixaram cantar
senão
através de seus olhos azuis ausentes
de
sua boca ausente
de
sua voz ausente.
Então,
da torre mais alta da ausência
seu
canto ressoou na opacidade do oculto
na
extensão silenciosa
cheia
de cavidades movediças como as palavras que escrevo.
A la espera de la oscuridad
Ese
instante que no se olvida
Tan
vacío devuelto por las sombras
Tan
vacío rechazado por los relojes
Ese
pobre instante adoptado por mi ternura
Desnudo
desnudo de sangre de alas
Sin
ojos para recordar angustias de antaño
Sin
labios para recoger el zumo de las
violencias
perdidas
en el canto de los helados
campanarios.
Ampáralo
niña ciega de alma
Ponle
tus cabellos escarchados por el fuego
Abrázalo
pequeña estatua de terror.
Señálale
el mundo convulsionado a tus pies
A
tus pies donde mueren las golondrinas
Tiritantes
de pavor frente al futuro
Dile
que los suspiros del mar
Humedecen
las únicas palabras
Por
las que vale vivir.
Pero
ese instante sudoroso de nada
Acurrucado
en la cueva del destino
Sin
manos para decir nunca
Sin
manos para regalar mariposas
A
los niños muertos
À espera da
escuridão
Este
instante que não se esquece
tão
vazio devolvido pelas sombras
Tão vazio rechaçado pelos relógios
Este
pobre instante adotado por minha ternura
Desnudo
desnudo de sangue de asas
Sem
olhos para recordar angústias de ontem
Sem
lábios para recolher o sumo das
violências
perdidas
no canto dos gelados
campanários.
Ampara-o
menina cega de alma
Põe-lhe
teus cabelos congelados pelo fogo
Abraça-o
pequena estátua de terror.
Aponta-lhe
o mundo convulsionado a teus pés
A
teus pés onde morrem as andorinhas
Tiritantes
de pavor ante ao futuro
Diz
que os suspiros do mar
Umedecem
as únicas palavras
Por
que vale viver.
Mas
esse instante sudoroso de nada
Aconchegado
na cova do destino
Sem
mãos para dizer nunca
Sem
mãos para presentear borboletas
às
crianças mortas
segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018
DOIS POEMAS SOBRE A ATUALIDADE
O poema que se segue nasceu como um comentário no blog "A voz pública da poesia" (do poeta e crítico Ronald Augusto) https://avozpublicadapoesia.blogspot.com.br/ e acabou merecendo um post do Ronald.
sobre
culpa e inocência
a culpa do
inocente
foi
mostrar
a riqueza
do pobre
a alegria
dos tristes
a culpa do
inocente
foi acabar
com a
abundância
de escassez
fartar os
famintos
a culpa do
inocente
foi tentar
a paz com
os donos da guerra
a
igualdade com os desiguais
a culpa do
inocente
foi
revelar
a pobreza
dos ricos
a tristeza
dos felizes
a culpa do
inocente
foi
mostrar
a
inteligência dos ignorantes
e a
ignorância dos eruditos
a culpa do
inocente
foi
acreditar
que os
donos da pátria da injustiça
poderiam
permitir justiça.
Porto
Alegre, 26/1/18
Renato de
Mattos Motta
O poema que se segue nasceu como um comentário no blog "A voz pública da poesia" (do poeta e crítico Ronald Augusto) https://avozpublicadapoesia.blogspot.com.br/ e acabou merecendo um post do Ronald.
Lula à
La Fontaine
absurdo conclave de
surdos
juízes
injustificavelmente
injustos julgando como
lobos
culpado cordeiro
por sua fome de
carniceiro
Renato de Mattos Motta
Porto Alegre, 28 de
janeiro de 2018
sexta-feira, 7 de abril de 2017
Ícaro (sonhar é para os pássaros)
Este poema consta de meu mais recente livro, AmarTeAtéAmorTe (Porto Alegre: Gente de Palavra, 2016)
Paisagem com queda de Ícaro Peter Brueghel - O Velho - 1565
Ícaro
(sonhar é para os pássaros)
construção
longo
tempo de preparo
recolhendo
material
penas (que
pássaros não faltam)
cera varas
fibras e resinas
o pai cria
constrói
ensina a
construir
com paz e
ciência
liberdade
fim da
tortuosa prisão
Dédalo
o
pluriengenhoso artesão
Dédalo
dos dedos
hábeis
Dédalo
inventor
de espantos
voo
voam
duas aves nunca vistas
estranhas
só
as asas emplumadas
são
aves porque voam
e
ave é o que com ave se parece
maiores
que qualquer que se conhece
são
aves porque só as aves voam
as
asas não pertencem a seus corpos
sobre
os corpos só há pele e poucos pelos
as
penas sobre as asas são de ave
o
esqueleto que as conforma é vegetal
o
que se vê voar não são aves de fato
mas
homens com algum tipo de artefato
são
mãos que construíram
são
braços que que impulsionam
um
já é velho e outo bem jovem
são
homens mas estão livres do chão
o
velho voa pouco
voa
baixo
mais
plana do que agita suas asas
sobrevoa
o mar direto à praia
onde
pousa (quase cai) em segurança
o
garoto é alegria e liberdade
desliza
entre ventos
parceiro
de pássaros
canta
puro encanto
um
canto de emoção
canto
daquele que voando
se
libertou da prisão
se
eleva a uma altura imponderável
o
que busca tão alto aquele jovem?
tocar
as nuvens?
beijar
o sol?
só
sabe-se que sobe
sobe
sempre sobe até
que
as asas se desfazem
então
cai
visão
o
pastor apascenta suas ovelhas
cuida
que não saiam da sua vista
que
não haja predador ou peçonhento
que
ameace o seu ganho com o rebanho
o
pescador cuida de pegar peixes
em
silêncio confere suas esperas
paciência
e atenção na ação precisa
de
puxar quando belisca
firme
e calmo
o
lavrador empurra seu arado
pelo
terreno que será semeado
em
sulcos se abre a terra umedecida
receptiva
e fértil para a vida
verificando
o velame
e
a viração dos ventos
o
marinheiro assegura
sua
vida e seu sustento
tocando
o dia a dia a cada dia
enredando
a rotina quotidiana
revivem
outra vez sempre de novo
a
vida que viveram seus avós
é
com espanto que então
ouvem
a voz que entoa
uma
canção conhecida
que
parte do impossível
quem
quer que cante este canto
canta
lá muito do alto
do
céu acima do mar
de
onde se vê uma ave
que
é um menino a voar
mas
as asas se desplumam
viram
só galhos e penas
e
o jovem se precipita
para
o fundo em alto mar
olhares
que eram para o espanto
agora
olham de lado
atentos
aos cuidados quotidianos
o
oceano afogou todo o delírio
provou-se
que o sonhar não é pros homens
o
pastor já volta ao pastoreio
também
o lavrador só vê a terra
das
velas se o cupa o marinheiro
de
escamas anzóis e linhas o pescador
sonhar
é perigoso para os homens
afaste-se
do sonho a juventude
de
sonhos não se ocupem os mortais
sonhar
é pra quem dorme
ou
para os mortos
epístola psicografada
não
chora pai porque caí
a
queda foi o preço
do
presente
maior
que a vida
asas
presente
que é pura liberdade
além
dos muros
além
do mar
além
do chão
se
meu voo
foi
além do limite dessas asas
é
que o sonho superou a realidade
e
hoje sou sem corpo
sou
só sonho
e
voo libertado da matéria
num
corpo que é sem peso
que
é só brisa
não
chora pai porque caí
se
o teu legado é o sonho de voar
não
seja o meu o medo de sonhar
Renato
de Mattos Motta
20/02/2016
terça-feira, 6 de setembro de 2016
NADATEMER
nadatemer
nadatemer
não
tema
por temer
se perde
por temer
não se luta
por temer
se foge
de
fantasmas do passado
não
tema
temer é
a morte
temer nos
enfraquece
temer é
falsidade
nunca
temer
o passado
antes
enfrentá-lo
nunca
temer
o futuro
vamos
construí-lo
nunca
temer
o vício
do vice
que só
visa ser
o que não
pode
temer é
a
única
coisa
que temos
a temer
Renato de
Mattos Motta
Porto Alegre, 08/08/16
Porto Alegre, 08/08/16
domingo, 7 de setembro de 2014
Patripoema
por um poema da pátria
por um poema
auriverdeazulanil
por um poema
mundaméricadosulbrasil
um poema de amarAmérica
um poemAmericano de pó
e de merda
poemerdAmericano de um
povo
que ainda hoje se vende
por bugigangas brilhantes
por bugigangas brilhantes
um poemundo
poimundo
do pó do mundo
poema neocolonizado
do brazil de haloweens
um brazil que comemora
um brazil que comemora
festas que não são suas
where'stheformernation?
deformada nação deste
poema
caubóis caipiras piram
no funk das favelas
no reggae
que regateia nossas praias
no reggae
que regateia nossas praias
poema bem pé no chão
pé no asfalto
pé no saco
pé no asfalto
pé no saco
não poema pé
de chinelo
que pede penico pro tio sam
e diz que é global
que é mundial
mas não é!
o mundo global
é no meu quintal!
sangrentas naus
escravistas
singram espaços
internacionais
“Galopam, voam, mas não deixam traço.”
“Galopam, voam, mas não deixam traço.”
chicanegrosdekasseguis
seguem banzando hoje
somos os candangos
do século vinte e um
candongueiros fuleiros
canibais
na falta de palmares
palmeiras vira nação
timões, mengos, flus, grenais
timões, mengos, flus, grenais
e cada vez mais
times te mentem
civilizar não é
carnavalizar!
carnal vala de vãs
meninas
prostituídas
no além mar
e no aquém amar
no aqui agora
no dia a dia
no cotidiano adiar do nosso dia
alada vitória da hélade
convertida em chulé
multinacional
intermúndico
fungo interdigital
criado no norte
fabricado em seul
consumido em todas as
direções
exportado
pago
muito bem pago
pago além do preço
meu
poema é outro
tupiniquim como trypanosoma
cruzi
como a trepação da globeleza
rebolando
nudez
nos horários infantis
trepanação
que lobotomiza brazis
desculturação
da ex-nação
auriverdes
travestis fazendo ponto no coliseu
na torre eiffel no reichstag no central park
na torre eiffel no reichstag no central park
religiões
e relógios de verão
zen
budismos sem bunda
desbundes
passageiros
módicas
modas que mudam nada
belas
musas sazonais
desinspiradas
ocas
ecos de desespero
ecos de desespero
vendendo
cerveja com a bunda
quero
um
poema drummundo
que
me desfralde bandeira
me
redescubra cabral
americano brasileiro
perdido em minha quintana
um poema coletivo
de papo com affonso e marina
em barco pirata do guaíba
cruzeiro
no fundo de casa
com
a lua umbigada no lago
onde
sidnei submerge seduzido por sereias
o
imediato do navio
é
o primo portugal
poeta
antípoda
e
no tombadilho
thiago
trava um tête-à-tête
com
barros do carmo e barreto
enquanto
o fantasma de qorpo santo
folheia
sua ensiqlopédia
wernek
e patrícia cruzam palavras
com
cacau e marodin
júlio
alves de cricris
com
a macedo e a vieira
michelle de anfitriã
comandando a litania
do
sarau improvisado
menegotto
na viola
accurso
na batucada
laís
enfeita as ruas
cidade vira poema
cidade vira poema
nossa
nau da poesia
voa
por porto alegre
aporta
no meio do brique
pra
por poesia na roda
numa
abordagem festiva
que
subverte a cidade
com
o bardo ricardo
cujo menos vendido
cujo menos vendido
é
livro esgotado
meu
poema insiste
em
falar como brasileiro
em
ter cheiro de feijoada
de churrasco assado no chão
de churrasco assado no chão
tutu
acarajé maracujá
ter
gosto de pitanga
goiaba
comida no pé
jabuticaba
abacate
abacaxi
caju café
meu
poema tem que
jogar com bola de meia
jogar com bola de meia
rodar
pião empinar pipa
papel
colorindo o céu
voar
lomba abaixo
em carrinho de rolimã
em carrinho de rolimã
andar
de bicicleta
bater
figurinha
jogar
taco pular sapata
bater
bolita de nhaque
tem
que ser brasileiro
como
carnaval de rua
de
antes dos abadás e das escolas
cachaça
caldo de cana chimarrão
caipirinha
cajuzinho xixi de anjo
cerveja
gelada em tarde quente
não
quero poema da pátria varonil
quero
um poema
do
brasil pueril infantil
brasil
mulher brasil negrão
japaindiopolaco
tudo junto misturado
um
poema-brasil
de
uma maioria de minorias
salada
de frutas
culturalracialetnicaoescambau
poema
pau-brasil
que fale português tupi-guarani
que fale português tupi-guarani
italiano
alemão banto
espanhol
e nagô
poema
verdade capaz
de
ver além das novelas
além
das rebolativas
porta-bandeiras
mulatenzoneiras
do
carnaval
planetariamente
divulgado
sexo oficial
sexo oficial
em
três vias carimbado
por
três dias aprovado
mais
a muamba
mais
a quarta de cinzas
mais
o enterro dos ossos
mais
quanta micareta
porque
o brasil da televisão
não
trabalha
não
batalha
só
dança samba
reggaeafroaxéreboleichon
só
quer saber
quem matou o bandido da vez
no capítulo
visto revisto e repetido
que vira notícia
a novela da tevê se vê
no noticiário da mesma tevê
quem matou o bandido da vez
no capítulo
visto revisto e repetido
que vira notícia
a novela da tevê se vê
no noticiário da mesma tevê
que
tudo vê
menos
tu
porque
a tevê não te vê
só
vê o que dá lucro
só
vê o que interessa
pro
dono da tevê
este
é o poema
que
eu fiz pra você
que
só vê
o
que lhe dizem
que é pra ver
que é pra ver
este
é o poema
que
cheira cola
que
fuma crack
que
dorme sob marquises
este
é o poema
dos
ratos e das baratas
chiclé
na sola do sapato
poema
do lixo revirado
do
pedestre atropelado
poema
do que você vê
mas
não tem nada a ver com você
este
é um poema não
este
é um poema foi
este
é um poema
nunca mais
este
é o poema que eu fiz
pra
pátria que me pariu!
Porto Alegre,
2013.
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