Poeta que se preza é servo das musas.
E não tô falando (apenas) daquelas beldades com pouca ou nenhuma roupa que a mídia periódicamente elege: Musa disto ou daquilo. Do carnaval, do verão, da cerveja...
Não.
Falo das nove.
Das nove filhas de nove noites de amor entre Zeus e Mnemósine... coisa antiga...
Pois as musas me pegaram hoje, durante o sono, e me arrastaram prum diálogo com o Carlos que eu já tinha citado há uns dias por aqui. E me obrigaram a me apropriar dumas idéias drummondianas...
Acordei com isto na cabeça e não sosseguei enquanto não escrevi. Escrevi e tentei esquecer e dar um tempo de gaveta (embora hoje minha gaveta sejam os clusters do HD) - pensar antes de postar... não deu!
Se ninguém gostar, paciência! A culpa não é minha. Foram as Nove que me obrigaram a postar. Eu sou apenas um humilde servo...
A FLOR E O ASFALTO
Preso ainda às convenções
Visto preto, cor do meu tempo
Mas a rua, seu Carlos,
Continua cinzenta
Tudo ainda está à venda
E arma alguma autorizaria revolta
Este é o tempo da justiça, afinal,
Não a justiça bondosa –
De bronze, de prata, de ouro –
Justiça da ira divina
Do fogo descontrolado
Que mata a nossa mata
De terra que sacode escombros
Como quem dá de ombros
De um ar sujo e furioso
Desembestado em tempestades
De águas que retornam
Sujas e podres como o mundo
Como o nosso mundo
Águas que inundam
Águas que lavam
Águas que levam tudo por diante
Águas que afogam velhos, crianças, bombeiros
Mais fortes que a força
Justiça de Gaia febril
Infectada de humanidade.
Mas mesmo em um mundo revolto
Ainda há tardes amenas
Caminho pelo meu Porto
Alegre ao menos no nome
Seduções em calças justas
Encurvam meu pescoço
O ar está luminoso
Embora a fumaça dos carros
Pardais pipilam,
Mas não param
De catar comida no lixo,
Da janela do edifício,
Um gato observa os pardais
Frustrado pelo vidro fechado.
Ao meu lado, um som
Não é alto, mas diferente
Não o crepitar de folhas secas
Nem papel desfraldado ao vento
É som mais pesado, embora leve
Ao meu lado, um som bate no chão
É leve, mas tem o peso
De uma vida, que se vai
Uma flor morreu na rua!
Não era forte como aquela do Carlos
Embora fosse mais bela
Bateu no chão preto e ficou
Vermelha, marcando sangue
Uma flor solta no asfalto
Uma flor morta no asfalto
Uma flor!
Pés
Pneus,
Vento,
Chuva,
Garis com suas vassouras
Se encarregarão de levá-la
Mas ela ficará
Na minha lembrança
(E na foto mortuária que tirei)
Longe,
Lá no pólo,
Uma geleira se desfaz
Chorando a flor que se foi
Ou, talvez, chore por outras,
As flores que nunca foram.
Renato de Mattos Motta
Porto Alegre, 14 de abril de 2007