sábado, 10 de dezembro de 2011

domingo, 9 de outubro de 2011

Um Convidado Ilustre: Ferreira Gullar














Marcando o aniversário da morte de Che Guevara, compartilho com os amigos um poema que me parece definitivo com respeito ao assunto, uma das obera mais belas de Gullar antes do poema Sujo.


Dentro da Noite Veloz

Ferreira Gullar:
I
Na quebrada do Yuro
eram 13,30 horas
(em São Paulo
era mais tarde; em Paris anoitecera;
na Ásia o sono era seda)
Na quebrada do rio Yuro
a claridade da hora
mostrava seu fundo escuro:
as águas limpas batiam
sem passado e sem futuro.
Estalo de mato, pio
de ave, brisa nas folhas
era silêncio o barulho
a paisagem
(que se move)
está imóvel, se move
dentro de si
(igual que uma máquina de lavar
lavando sob o céu boliviano, a paisagem
com suas polias e correntes de ar)
Na quebrada do Yuro
não era hora nenhuma
só pedras e águas
II
Não era hora nenhuma
até que um tiro
explode em pássaros
e animais até que passos
vozes na água rosto nas folhas
peito ofegando a clorofila
penetra o sangue humano
e a história se move a paisagem
como um trem começa a andar
Na quebrada do Yuro eram 13,30 horas
III
Ernesto Che Guevara
teu fim está perto
não basta estar certo
para vencer a batalha
Ernesto Che Guevara
Entrega-te à prisão
não basta ter razão
pra não morrer de bala
Ernesto Che Guevara
não estejas iludido
a bala entra em teu corpo
como em qualquer bandido
Ernesto Che Guevara
por que lutas ainda?
a batalha está finda
antes que o dia acabe
Ernesto Che Guevara
é chegada a tua hora
e o povo ignora
se por ele lutavas
IV
Correm as águas do Yuro, o tiroteio agora
é mais intenso, o inimigo avança
e fecha o cerco.
Os guerrilheiros
em pequenos grupos divididos
agüentam a luta, protegem a retirada
dos companheiros feridos.
No alto,
grandes massas de nuvens se deslocam lentamente
sobrevoando países
em direção ao Pacífico, de cabeleira azul.
Uma greve em Santiago. Chove
na Jamaica. Em Buenos Aires há sol
nas alamedas arborizadas, um general maquina um golpe.
Uma família festeja bodas de prata num trem que se aproxima
de Montevidéu. À beira da estrada
muge um boi da Swift. A Bolsa
no Rio fecha em alta ou baixa.
Inti Peredo, Benigno, Urbano, Eustáquio, Ñato
castigam o avanço dos rangers .
Urbano tomba, Eustáquio
Che Guevara sustenta
o fogo, uma rajada o atinge, atira ainda, solve-se-lhe
o joelho, no espanto
os companheiros voltam
para apanhá-lo. É tarde. Fogem.
A noite veloz se fecha sobre o rosto dos mortos.
V
Não está morto, só ferido
Num helicóptero ianque
é levado para Higuera
onde a morte o espera
Não morrerá das feridas
ganhas no combate
mas de mão assassina
que o abate
Não morrerá das feridas
ganhas a céu aberto
mas de um golpe escondido
ao nascer do dia
Assim o levam pra morte
(sujo de terra e de sangue)
subjugado no bojo
de um helicóptero ianque
É seu último vôo
sobre a América Latina
sob o fulgir das estrelas
que nada sabem dos homens
que nada sabem do sonho,
da esperança, da alegria,
da luta surda do homem
pela flor da cada dia
É seu último vôo
sobre a choupana de homens
que não sabem o que se passa
naquela noite de outubro
quem passa sobre seu teto
dentro daquele barulho
quem é levado pra morte
naquela noite noturna
VI
A noite é mais veloz nos trópicos
(com seus na vertigem das folhas na explosão
monturos) das águas sujas
surdas
nos pantanais
é mais veloz sob a pele da treva, na
conspiração de azuis
e vermelhos pulsando
como vaginas frutas bocas
vegetais (confundidos com sonhos)
ou um ramo florido feito um relâmpago
parado sobre uma cisterna d água
no escuro
É mais funda
a noite no sono
do homem na sua carne
de coca e de fome
e dentro do pote uma caneca
de lata velha de ervilha
da Armour Company
A noite é mais veloz nos trópicos
com seus monturos
e cassinos de jogos
entre as pernas das putas
o assalto a mão armada
aberta em sangue a vida.
É mais veloz (e mais demorada)
nos cárceres
a noite latino-americana
entre interrogatórios
e torturas (lá fora as violetas)
e mais violenta (a noite)
na cona da ditadura
Sob a pele da treva, os frutos
crescem
conspira o açúcar
(de boca para baixo) debaixo
das pedras, debaixo
da palavra escrita no muro
ABAIX
e inacabada Ó Tlalhuicole
as vozes soterradas da platina
Das plumas que ondularam já não resta
mais que a lembrança
no vento
Mas é o dia (com seus monturos)
pulsando dentro do chão
como um pulso
apesar da South American Gold and Platinum
é a língua do dia
no azinhavre
Golpeábamos en tanto los muros de adobe
y era nuestra herencia una red de agujeros
é a língua do homem
sob a noite
no leprosário de San Pablo
nas ruínas de Tiahuanaco
nas galerias de chumbo e silicose
da Cerro de Pasço Corporation
Hemos comido grama salitrosa
piedras de adobe lagartijas ratones
tierra en polvo y gusanos
até que
(de dentro dos monturos) irrumpa
com seu bastão turquesa
VII
Súbito vimos ao mundo
E nos chamamos Ernesto
Súbito vimos ao mundo
e estamos
na América Latina
Mas a vida onde está
nos perguntamos
Nas tavernas?
nas eternas tardes tardas?
nas favelas
onde a história fede a merda?
no cinema?
na fêmea caverna de sonhos
e de urina?
ou na ingrata
faina do poema?
(a vida
que se esvai
no estuário do Prata)
Serei cantor
serei poeta?
Responde o cobre (da Anaconda Copper):
Serás assaltante
E proxeneta
Policial jagunço alcagueta
Serei pederasta e homicida?
serei o viciado?
Responde o ferro (da Bethlehem Steel):
Serás ministro de Estado
e suicida
Serei dentista
talvez quem sabe oftalmologista?
Otorrinolaringologista?
Responde a bauxita (da Kaiser Aluminum):
serás médico aborteiro
que dá mais dinheiro
Serei um merda
quero ser um merda
Quero de fato viver.
Mas onde está essa imunda
vida – mesmo que imunda?
No hospício?
num santo
ofício?
no orifício da bunda?
Devo mudar o mundo,
a República? A vida
terei de plantá-la
como um estandarte
em praça pública?
VIII
A vida muda como a cor dos frutos
lentamente
e para sempre
A vida muda como a flor em fruto
velozmente
A vida muda como a água em folhas
o sonho em luz elétrica
a rosa desembrulha do carbono
o pássaro da boca
mas
quando for tempo
E é tempo todo o tempo
mas
não basta um século para fazer a pétala
que um só minuto faz
ou não
mas
a vida muda
a vida muda o morto em multidão".

domingo, 4 de setembro de 2011

Thiago de Mello no Meus Poemas Sou Eu Escrito

Graças à intermediação da poeta Daniela Damaris via o também poeta Romar Beiling para que a Feira do Livro de Santa Cruz do Sul apoiasse nosso projeto de trazer o poeta Thiago de Mello (Patrono da Feira) para fazer um sarau em Porto Alegre, pudemos contar com a presença de uma verdadeira lenda viva da poesia na última quinta-feira, dia 01/09/2011, para uma edição especialíssima de Meus Poemas Sou Eu Escrito.
Incialmente o músico Mauro Harff fez uma apresentação especial junto com os parceiros de sempre do Meus Poemas Sou Eu Escrito, Fernando Menegotto e Paulo Accurso , da música Doce Água (Harff/Accurso).















Antes de chamarmos o poeta da noite, eu e a poeta Daniela Damaris fizemos a leitura dos Estatutos do Homem.











Os Estatutos do Homem
(Ato Institucional Permanente)

A Carlos Heitor Cony


Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que Pchegou.

Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.


Santiago do Chile, abril de 1964


o poema que nasceu como resposta ao A.I. 1, transformou-se em bandeira na luta pela liberdade e direitos humanos no Brasil. Foi mais além: por seu incrível lirismo, tornou-se capaz de transcender as fronteiras nacionais e, traduzido em mais de 60 países, é hoje citado onde quer que se fale de liberdade e de solidariedade.















"É preciso trabalhar todos os dias pela alegria geral. É preciso aprender esta lição todos os dia e sair pelas ruas cantando e repartindo, a mão cristalina, a fronte fraternal."

(Thiago de Mello in "Faz escuro mas eu canto")

sábado, 6 de agosto de 2011



Dia 24 de agosto tem a terceira edição de Meus Poemas sou Eu Escrito, onde convido a poeta Daniela Damaris, um talento emergente da nossa poesia. Abaixo uma amostra com dois poemas do livro inédito "Cais de Cítara"



verdes amoras

quando se abrem os lábios pequenos
de onde se findam as carnes de garça
soçobram paredes em tetos de espelhos
avançam os trincos de portas sangrias

quando se abrem os lábios pequenos
de onde se findam as carnes de garça
alvoram gaivotas em gritos suicidas
e escorrem torrentes de verdes amoras



alquimia

um dia ensolarado
e acordei em preto e branco
com as coxas assombradas
da vulva em banho-maria

mais poemas da moça no livro "Lótus" e no blog dela: http://artedepoetizar.blogspot.com/

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Juliana Meira é a atração de Meus Poemas Sou Eu Escrito 2




Meus Poemas sou Eu Escrito é o sarau que eu, Fernando Menegotto e Paulo Accurso realizamos dentro do projeto Quarta tem Sarau no Quarto, do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, sempre na quarta quarta-feira de cada mês. Em julho, nossa convidada é Juliana Meira, poeta natural de Carazinho, autora de Poema Dilema e na minha opinião um talento importante da poesia brasileira atual.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Primeiro sarau MEUS POEMAS SOU EU ESCRITO



Ontem apresentei a primeira edição de Meus Poemas Sou Eu Escrito sarau mensal que fazemos no Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo. Pra variar o envolvimento foi tanto que só publiquei no blog depois do evento acontecido...
Casa cheia, o convidado Alcy Cheuiche com seus poemas maravilhosos encantou a mim e o público com suas interpretações´. Tive a honra de fazer a leitura de 10 poemas do mestre. O Fernando Menegotto e o Paulo Accurso deram um show à parte com suas músicas que conversavam com os ritmos da milonga, do jazz e da bossa-nova.
Na platéia alguns nomes ilustres como Angélica Rizzi, Celso Sant'Anna, Cristina Macedo, Daniela Damaris, Élvio Vargas, Gilberto Wallace, Jorge Rhein, Lutche Mansur e Vladimir Cunha dos Santos (espero não ter cometido a injustiça de esquecer alguém).
Por enquanto não tenho fotos, mas muitos amigos fotografaram o evento e ficaram de mandar... assim que tiver, posto.

domingo, 12 de junho de 2011

...e eu fui à escola...



neste sábado, dia 11, fui encarregado de um "Café da Manhã Poético" na Escola Anísio Teixeira. Ouvirr a criançada fazer silêncio pra ouvir poemas, os meus poemas, é daquelas coisas que não tem preço!
Obrigado!

domingo, 5 de junho de 2011

Poesia Ponto Com volta a acontecer



Depois de um ano e meio de recesso, o sarau poesia.com volta a acontecer em fase completamente nova. Nova casa, uma equipe permanente que ganhou o talento violado do Fernando Menegotto e a percussão criativa do Paulo Accurso. Nessa re-estréia ainda contamos com os talentos de primeira grandeza da Cristina Macedo e da Deborah Finnochiaro que vão nos brindar, respectivamente com poemas de Hilda Hilst e Mario Quintana. Eu vou apresentar poemas do Carlos Drummond de Andrade.

SARAU POESIA.COM
Dia 08/06/2011
21h30
Boteco Matita Perê - João Alfredo, 626