Paisagem com queda de Ícaro Peter Brueghel - O Velho - 1565
Ícaro
(sonhar é para os pássaros)
construção
longo
tempo de preparo
recolhendo
material
penas (que
pássaros não faltam)
cera varas
fibras e resinas
o pai cria
constrói
ensina a
construir
com paz e
ciência
liberdade
fim da
tortuosa prisão
Dédalo
o
pluriengenhoso artesão
Dédalo
dos dedos
hábeis
Dédalo
inventor
de espantos
voo
voam
duas aves nunca vistas
estranhas
só
as asas emplumadas
são
aves porque voam
e
ave é o que com ave se parece
maiores
que qualquer que se conhece
são
aves porque só as aves voam
as
asas não pertencem a seus corpos
sobre
os corpos só há pele e poucos pelos
as
penas sobre as asas são de ave
o
esqueleto que as conforma é vegetal
o
que se vê voar não são aves de fato
mas
homens com algum tipo de artefato
são
mãos que construíram
são
braços que que impulsionam
um
já é velho e outo bem jovem
são
homens mas estão livres do chão
o
velho voa pouco
voa
baixo
mais
plana do que agita suas asas
sobrevoa
o mar direto à praia
onde
pousa (quase cai) em segurança
o
garoto é alegria e liberdade
desliza
entre ventos
parceiro
de pássaros
canta
puro encanto
um
canto de emoção
canto
daquele que voando
se
libertou da prisão
se
eleva a uma altura imponderável
o
que busca tão alto aquele jovem?
tocar
as nuvens?
beijar
o sol?
só
sabe-se que sobe
sobe
sempre sobe até
que
as asas se desfazem
então
cai
visão
o
pastor apascenta suas ovelhas
cuida
que não saiam da sua vista
que
não haja predador ou peçonhento
que
ameace o seu ganho com o rebanho
o
pescador cuida de pegar peixes
em
silêncio confere suas esperas
paciência
e atenção na ação precisa
de
puxar quando belisca
firme
e calmo
o
lavrador empurra seu arado
pelo
terreno que será semeado
em
sulcos se abre a terra umedecida
receptiva
e fértil para a vida
verificando
o velame
e
a viração dos ventos
o
marinheiro assegura
sua
vida e seu sustento
tocando
o dia a dia a cada dia
enredando
a rotina quotidiana
revivem
outra vez sempre de novo
a
vida que viveram seus avós
é
com espanto que então
ouvem
a voz que entoa
uma
canção conhecida
que
parte do impossível
quem
quer que cante este canto
canta
lá muito do alto
do
céu acima do mar
de
onde se vê uma ave
que
é um menino a voar
mas
as asas se desplumam
viram
só galhos e penas
e
o jovem se precipita
para
o fundo em alto mar
olhares
que eram para o espanto
agora
olham de lado
atentos
aos cuidados quotidianos
o
oceano afogou todo o delírio
provou-se
que o sonhar não é pros homens
o
pastor já volta ao pastoreio
também
o lavrador só vê a terra
das
velas se o cupa o marinheiro
de
escamas anzóis e linhas o pescador
sonhar
é perigoso para os homens
afaste-se
do sonho a juventude
de
sonhos não se ocupem os mortais
sonhar
é pra quem dorme
ou
para os mortos
epístola psicografada
não
chora pai porque caí
a
queda foi o preço
do
presente
maior
que a vida
asas
presente
que é pura liberdade
além
dos muros
além
do mar
além
do chão
se
meu voo
foi
além do limite dessas asas
é
que o sonho superou a realidade
e
hoje sou sem corpo
sou
só sonho
e
voo libertado da matéria
num
corpo que é sem peso
que
é só brisa
não
chora pai porque caí
se
o teu legado é o sonho de voar
não
seja o meu o medo de sonhar
Renato
de Mattos Motta
20/02/2016
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