domingo, 4 de setembro de 2011

Thiago de Mello no Meus Poemas Sou Eu Escrito

Graças à intermediação da poeta Daniela Damaris via o também poeta Romar Beiling para que a Feira do Livro de Santa Cruz do Sul apoiasse nosso projeto de trazer o poeta Thiago de Mello (Patrono da Feira) para fazer um sarau em Porto Alegre, pudemos contar com a presença de uma verdadeira lenda viva da poesia na última quinta-feira, dia 01/09/2011, para uma edição especialíssima de Meus Poemas Sou Eu Escrito.
Incialmente o músico Mauro Harff fez uma apresentação especial junto com os parceiros de sempre do Meus Poemas Sou Eu Escrito, Fernando Menegotto e Paulo Accurso , da música Doce Água (Harff/Accurso).















Antes de chamarmos o poeta da noite, eu e a poeta Daniela Damaris fizemos a leitura dos Estatutos do Homem.











Os Estatutos do Homem
(Ato Institucional Permanente)

A Carlos Heitor Cony


Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que Pchegou.

Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.


Santiago do Chile, abril de 1964


o poema que nasceu como resposta ao A.I. 1, transformou-se em bandeira na luta pela liberdade e direitos humanos no Brasil. Foi mais além: por seu incrível lirismo, tornou-se capaz de transcender as fronteiras nacionais e, traduzido em mais de 60 países, é hoje citado onde quer que se fale de liberdade e de solidariedade.















"É preciso trabalhar todos os dias pela alegria geral. É preciso aprender esta lição todos os dia e sair pelas ruas cantando e repartindo, a mão cristalina, a fronte fraternal."

(Thiago de Mello in "Faz escuro mas eu canto")